Uma Breve História da Contagem
"A Teoria das Probabilidades no fundo não é mais do que o bom senso traduzido em cálculo; permite calcular com exatidão aquilo que as pessoas sentem por uma espécie de instinto ... É notável que tal ciência, que começou nos estudos sobre jogos de azar, tenha alcançado os mais altos níveis do conhecimento humano " Pierre Simon (Marquês de Laplace)
Desde a antiguidade o homem vem se preocupando com problemas sobre contagem e com as questões que envolvem o acaso. No século III a.C., o matemático Arquimedes (287 - 212 a.C.) que nasceu em Siracusa, na ilha da Sicília, ocupou-se do jogo Stomachion que tinha por objetivo saber de quantas formas suas partes menores poderiam formar o mesmo quadrado, tendo como resposta 17.152 vezes. Na idade média, o judeu Rabbi Abraham Ben Meir Ezra que nasceu, em Toledo em 1090, na atual Espanha e morreu; provavelmente em Roma em 1167, dedicou-se à poesia, gramática, astrologia e matemática. Suas atividades relacionadas às previsões astrológicas; pode tê-lo tornado um dos precursores da Teoria das Probabilidades.
Da necessidade que o homem teve em calcular
maneiras seguras de ganhar em certos jogos de azar, tais como: baralhos, dados
e moedas, o levou a desenvolver técnicas que, atualmente, são bases para muitos
ramos do conhecimento. Em 1494 o frade italiano Luca Pacioli (1445 – 1514)
apresentou um trabalho intitulado Summa de arithmetica, geometria, proportioni
et proportionalita que trata de aritmética, álgebra, geometria euclidiana
elementar e contabilidade. Na Summa, Pacioli propôs o “problema dos pontos” ou
“problema da divisão”, no qual pede para se determinar, com base no resultado
parcial, uma distribuição justa das apostas num jogo de azar interrompido. O
também italiano Girolamo Cardano (1501 - 1576) contribuiu com trabalhos sobre
jogos de azar. Cardano publicou Liber de ludo aleae (O livro dos jogos de azar)
por volta de 1560 que é o primeiro trabalho organizado que apresenta número de
hipóteses, cálculo de expectativas e previsões acerca de jogos de dados. Ele desenvolveu profundamente as
técnicas de contagem de combinações dando base ao estudo da Probabilidade.
No
século XVII, os problemas ligados aos jogos, continuaram a ocupar os matemáticos,
como os franceses Pierre de Fermat (1601 - 1665) e Blaise Pascal (1623 - 1662) que
sistematizaram a Análise Combinatória. Em 1654, George Brossin (1607-1684),
Chevalier (cavaleiro) de Méré, que foi cortesão de Luís XIV propôs a Pascal o
problema dos dados e o da divisão dos pontos. Como Pascal e Fermat desenvolviam
trabalhos através de correspondências, Pascal relatou os problemas a Fermat,
chegando ambos a solucioná-los. Numa das cartas, Pascal propõe a Fermat uma
questão que seu amigo Méré havia-lhe proposto: “Em oito lances de um dado um
jogador deve tentar lançar um, mas depois de três tentativas infrutíferas o
jogo é interrompido. Como deveria ele ser indenizado?”. Esse trabalho é
considerado o marco de fundação da Teoria Matemática da Probabilidade e isso
levou às ideias – de um século atrás – de
Cardano ao esquecimento.
Embora
nem Pascal nem Fermat tenham publicado seus resultados, definiram conceitos
como expectativa, chance e média, além
de estabelecerem técnicas de contagem e estatística de incidência de casos num
dado fenômeno. Ainda no século XVII, o holandês Christian Huygens (1629 - 1695)
publicou um trabalho, intitulado De Ratiociniis in Ludo Aleae (O Raciocínio nos
Jogos de Dados), no qual apresentou contribuições ao estudo das Probabilidades.
Paralelamente a isso, o suíço Jakob Bernouilli (1654 - 1705), propôs um teorema
onde afirmava: “A probabilidade de um evento ocorrer tende a um valor constante
quando o número de ensaios desse evento tende ao infinito”.
Pascal
havia ligado o estudo das probabilidades com o triângulo aritmético, levando a
discussão tão mais longe que Cardano que o arranjo triangular a partir daí é
conhecido como triângulo de Pascal. O próprio triângulo tinha mais de 600 anos,
mas Pascal descobriu algumas propriedades novas, por exemplo: “Em todo triângulo aritmético, se duas
células são contíguas na mesma base, a superior está para a inferior como o
número de células desde a superior até o topo da base está para o número de
células da inferior, até o ponto mais baixo inclusive.”.
Ainda no século XVII, O desenvolvimento do binômio (a+b)n
está entre os primeiros problemas estudados e ligados à Análise Combinatória. O inglês
Isaac Newton (1642 - 1727) foi físico-matemático que
muito contribuiu para a ciência de base para a tecnologia do mundo moderno. As contribuições de Newton incluíram a Teoria da Gravitação Universal,
sistematizou as Leis da Dinâmica (as Leis do Movimento), sistematizou a Óptica
e concebeu a Teoria das Cores. Além disso, como era dotado de habilidade
manual, construiu complexos instrumentos científicos, em particular telescópios
e lentes. No campo da Matemática, suas contribuições de suma importância foram
os Cálculos: Integral e Diferencial (1666), mas também se ocupou do Cálculo
Numérico, Séries Infinitas, Álgebra, estudos sobre Curvas e Leis da
Potenciação, isto é, Binômio de Newton.
Por
volta de 1664 – 1665 quando estava com apenas 22 anos investigou as Regras de
Potenciação de Binômios, generalizando para expoentes fracionários e negativos
o que pelo menos Cardano, o também italiano Niccolò Fontana, conhecido como Tartaglia, (1499 - 1557) e Pascal já conheciam relativamente a
potências inteiras e positivas. A prova deste teorema nunca foi publicada e sua
análise só foi escrita em 1669 e publicada em 1711 com o nome “De Analysi per
Aequationes Numero Terminorum Infinitas”. Este trabalho ficou conhecido como
Teorema Binomial, que é uma generalização do Triângulo de Pascal.
Teorema
Binomial
A
expansão da expressão da forma (a+b)n, nos fornece a seguinte
sequência (n є N e a,b є R):
n = 0 → (a+b)0 = 1
n = 1 → (a+b)1 = 1.a +
1.b
n = 2 → (a+b)2 = 1.a2
+ 2.a.b + 1. b2
n = 3 → (a+b)3 = 1.a3
+ 3.a2.b + 3.a.b2 + 1.b3
n = 4 → (a+b)4 = 1.a4
+ 4.a3.b + 6.a2.b2 + 4.a.b3 + 1.b4
n = 5 → (a+b)5 = 1.a5
+5.a4.b + 10.a3.b2 + 10.a2.b3
+ 5.a.b4 + 1.b5
.
.
.
Note que esta expressão vem do
Triângulo de Pascal
1
1 1
1 2 1
1 3 3 1
1 4 6 4 1
1 5 10 10 5 1
1 6 15 20 15 6 1
1 7 21 35 35 21 7 1
1 8 28 56 70 56 28 8 1
Newton
observou que o triângulo de Pascal que gera os coeficientes de uma expressão na
forma (a+b)n, também poderia gerar os coeficientes de uma expressão
na forma (a+b)m/n e (a+b)-n, então passou a trabalhar com
a expressão
(1+ x)1/2
= √1+x
e (1+x)-3 = 1/(1+x)3
Desta
forma, ele conseguiu generalizar o Teorema Binomial, anunciado em duas cartas,
a primeira datada de 13 de junho de 1676, escrita ao então secretário da Royal
Society, Henry Oldenburg (1615?-1677), a carta era endereçada ao alemão Gottfried
Wilhelm Leibniz (1646-1716) em resposta a um pedido de
informações do trabalho sobre séries infinitas. Na segunda carta, datada de 24
de outubro do mesmo ano, Newton deu detalhes de como chegou à série binomial.
Newton não passou diretamente do triângulo de Pascal para o Teorema Binomial,
mas indiretamente de um problema de quadratura para o Teorema Binomial.
Posteriormente
a esses fatos, o desenvolvimento da Análise Combinatória se fez através dos
trabalhos de matemáticos renomados como Bernouilli, que foi um dos primeiros matemáticos
a se ocupar da probabilidade, tendo a publicação de seu livro: Ars Conjectandi (Arte de Conjeturar) ocorrido,
postumamente, em 1713, Leibnitz , o francês Abraham de Moivre (1667 - 1754) que
publicou “Doctrine of Chances” em 1718 onde
se encontra muito material sobre a Teoria das Probabilidades, o suíço Leonhard Euler (1707 - 1783) se ocupou por expectativa
de vida, loterias e por o valor de uma anuidade, trabalhos publicados na
revista Memoiren (Memórias) da Academia de Berlim, o francês Pierre Simon –
marques de Laplace – (1749 - 1827) que publicou “Théorie Analytique des
Probabités” (Teoria Analítica das
Probabilidades), o alemão Carl Friedrich Gauss (1777 - 1855) o russo Pafnuti L. Tchebycheff (1821 - 1894), o russo
Andrei Andreyevitch (1856 - 1922), o russo Andrey N. Kolmogorov
(1903-1987) e muitos outros que se
ocuparam de problemas probabilísticos.
Na Teoria das Probabilidades podemos
encontrar muitos problemas interessantes, alguns dos quais apresentam resultados
inesperados ou paradoxais que levam às discussões filosóficas sobre o que é o
acaso e o que são probabilidades. Um problema interessante, muito conhecido, é
chamado problema da agulha de Buffon (Georges Louis Leclerc, Conde de Buffon
(1707 – 1783), naturalista francês): Considere uma área plana, dividida em
faixas de larguras iguais, a, por retas paralelas. Lance sobre esta região, ao
acaso, uma agulha de comprimento 2r, com 2r < a. Qual a probabilidade de que
a agulha corte uma das paralelas?
Atualmente, a Análise Combinatória e a Teoria
das Probabilidades são capítulos de extrema importância na Matemática. Suas aplicações estão presentes em muitos ramos
da Matemática, como a Estatística (a inferência estatística, delineamento dos experimentos científicos, a
correlação entre variáveis),
a Geometria Combinatória, a Álgebra, a Teoria dos Grafos (que estuda as
relações binárias em um conjunto enumerável) e a Lógica. A Combinatória e a Probabilidade são também
muito aplicadas na Programação de Computadores, na Economia, na Biologia
Molecular, na Cristalografia (ciência que estuda os cristais e as leis que
regem sua formação) Engenharia (controle de qualidade da produção industrial, Teoria
das Filas, Teoria da
Informação, Teoria do Risco), Física (Teoria dos Erros Experimentais, Probabilidades na Física Estatística, Probabilidades na Física Quântica), Química, Teoria dos Jogos Estratégicos, Psicologia e
na Sociologia. Historicamente, a Análise Combinatória foi concebida para
solucionar os problemas dos jogadores de jogos de azar, no entanto o seu
advento evoluiu tanto que foi axiomatizado rigorosamente que se transformou num
Sistema Matemático Dedutivo.
PARA SABER MAIS
BOYER, Carl B. História da
Matemática, 2ª edição. Editora Edgard Blücher. São Paulo, 1996.
GARBI, Gilberto G. A Rainha
das Ciências, 2ª edição. Editora Livraria da Física. São Paulo, 2007.
GARBI, Gilberto G. O Romance das Equações
Algébricas, 3ª edição. Editora Livraria da Física. São Paulo, 2009.
CONTADOR, Paulo Roberto Martins. Matemática,
uma breve história, em 3 volumes, volume 2, 2ª edição. Editora Livraria da
Física, 2006.
EVES, Howard, Introdução à História da
Matemática. Editora UNICAMP. São Paulo, 2004.
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